O SR. RODRIGO ROLLEMBERG (Bloco/PSB – DF.
Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs. e
Srs. Senadores, prezado Deputado que nos honra com a sua presença na Casa, eu
assumo a tribuna, na tarde de hoje, para tratar do mesmo tema trazido aqui pelo
Senador Paulo Paim, este brilhante representante do Partido dos Trabalhadores
pelo Rio Grande do Sul.
Há exatamente 50 anos, em 25 de agosto de 1961, o
Brasil mergulhava em uma das maiores crises políticas e institucionais da sua
história. Na madrugada desse dia, o Presidente Jânio Quadros havia redigido a
carta de renúncia, em que denunciava: "Fui vencido pela reação e assim deixo o
governo... forças terríveis levantam-se contra mim e intrigam ou difamam, até
com a desculpa de colaboração.”
No meio da tarde daquela sexta-feira, o
Congresso Nacional era comunicado, oficialmente, que o Presidente Jânio Quadros
havia renunciado.
Jânio havia sido eleito em 03 de outubro de 1960 e estava
há pouco mais de seis meses no governo. Havia conquistado 5,6 milhões de votos,
48% dos votos validos – a maior votação do Brasil até então. Renunciava quase
que inexplicavelmente à Presidência da República.
Essa atitude
intempestiva deixou o País estupefato, o Congresso Nacional estarrecido e o
Corpo Diplomata surpreso, na ainda jovem Capital do Brasil. Jânio surgiu como um
tsunami eleitoral. Foi vereador, deputado estadual, prefeito de São Paulo,
governador do estado, e finalmente Presidente da República, em apenas 13 anos de
vida pública. Alcançou o posto de mandatário mais alto no País, justamente
quando passávamos por transformações econômicas e sociais importantes e
buscávamos uma posição institucional estável no ciclo político democrático após
1945.
Jânio assumiu o governo com um discurso moralizante e moralista.
Pautou o Poder por atitudes controversas e tentou governar acima dos partidos e
das forças políticas e sociais. O País tinha 70 milhões de habitantes e 11,7
milhões de eleitores. A economia sentia o impacto positivo dos anos JK; a
economia estava crescendo cerca de 7%. A recém-construída indústria
automobilística havia colocado nas ruas quase meio milhão de veículos, em quase
05 anos, e expandido significativamente o setor elétrico nacional.
O
Brasil ainda vivia o impacto dos anos dourados. A vitória da Copa do Mundo de
1958, as conquistas de Maria Esther Bueno no tênis, o Cinema Novo que surgia, os
Centros Populares de Cultura da União Nacional dos Estudantes e da União
Brasileira dos Estudantes Secundaristas, a bossa nova. Era o novo Brasil, mais
industrial e em desenvolvimento. E mais urbano, porque a população das cidades
já se igualava à população rural.
Outro aspecto positivo era a
democracia. O País vivia um clima de maior liberdade política. Falava-se até
mesmo na legalização do Partido Comunista e no diálogo mais aberto com os
sindicatos. No cenário internacional, o País não se sentia confortável com o
alinhamento direto com os Estados Unidos da América, e havia forças internas que
procuravam uma política internacional mais abrangente, inclusive apontando o
reatamento de relações diplomáticas com a União Soviética e com a
China.
No front interno, porém, havia heranças a serem resolvidas. A
dívida externa estava na casa dos US$2 bilhões. O déficit orçamentário também
preocupava, pois, havia saltado de 28,8 bilhões para 193,6 bilhões de cruzeiros,
e podia fechar o ano em 240 bilhões. A inflação não baixava a guarda e já
estava na casa dos 30%. O dólar não parava de subir. Em poucos meses, havia
saltado de 90 para 200 cruzeiros. O governo, que havia rompido com o FMI na
gestão do Presidente Juscelino Kubitscheck, voltava a seguir o receituário
problemático do Fundo Monetário Internacional.
Logo após a posse, o
Presidente Jânio Quadros demitiu milhares de servidores públicos e desvalorizou
em 100% a moeda nacional. Imaginava melhorar a competitividade dos produtos
nacionais, aumentado o preço dos produtos importados, e atacava a corrupção e o
apadrinhamento político. Também ensaiava medidas com vistas a realizar a reforma
agrária. Dizia que era preciso combinar "o desenvolvimento econômico” com um
"ambiente de justiça social.”
Como tentava governar acima dos partidos,
tinha uma base muito fluida e instável no Congresso Nacional. Havia sido eleito
com apoio da UDN, PDC, PTN e PL. Mas o Congresso era o mesmo eleito em 1958,
onde o PSD detinha 35% das cadeiras, a UDN 21%, o PTB 20%, e o PSP 8%.
A
oposição, representada pela aliança PSD e PTB, tinha maioria no parlamento. O
Presidente sonhou com uma medida de força contra o Congresso Nacional. Enviou
emissário a vários interlocutores políticos buscando esse apoio. Um deles, o
Governador Carlos Lacerda, da Guanabara, após ver seus interesses e
reivindicações feitas ao presidente não atendidas, denunciou o que classificou
como uma trama golpista e passou para a oposição. Lacerda também já havia se
desagradado com a decisão do Presidente de transferir a sede de algumas empresas
estatais para Brasília.
Dentro do avião presidencial que o deslocava de
Brasília para São Paulo, Jânio não aceitou reconsiderar seu gesto. Mesmo diante
do apelo dos Ministros militares de que dariam apoio ao fechamento do Congresso
Nacional, a intervenção na Guanabara e até mesmo a prisão do Governador Carlos
Lacerda não demovia Jânio Quadros de sua atitude.
Isolado e atônito, o
solitário Presidente usou, mais uma vez, o expediente da renúncia. Com seu
gesto, imaginava mobilizar as massas que o haviam ovacionado na gigantesca
campanha popular de poucos meses antes. Sonhava voltar nos braços do povo, e com
plenos poderes, para executar, ao seu estilo, o mandato presidencial.
Mas
o povo não o socorreu. Não havia sido preparado para isso. Não entendeu as
razões da renúncia. Não conseguiu identificar as "forças ocultas” que
conspiravam contra o Presidente. Sem saber o que fazer, o povo continuou tocando
o cotidiano de suas vidas e carregando a enorme frustração pelo abandono a que
tinha sido relegado.
Estava desencadeada a crise. Os problemas
econômicos, sociais, diplomáticos e trabalhistas ganhavam o componente político.
O Presidente Jânio Quadros havia jogado gasolina para apagar o incêndio. O País
estava acéfalo. Sem Presidente, e com o Vice em viagem a Ásia, o Congresso
Nacional, que estava fragmentado politicamente, abriu caminho para as Forças
Armadas sair de seu papel constitucional e intervir na vida política do
País.
O Vice-presidente João Goulart encontrava-se em missão oficial na
China. Natural e democraticamente, assumiria o poder assim que retornasse ao
País. Mas o Brasil estava em ebulição. A economia era instável e a inflação
crescente. Havia problemas nas contas públicas e os trabalhadores de diversos
segmentos estavam em movimento por melhorias salariais e sociais.
Mas o
País ainda não estava consolidado democraticamente. Segmentos sociais, políticos
e empresariais conservadores, com influência inclusive dentro de parcelas
importantes das Forças Armadas, se erguem contra o retorno e posse do
Vice-Presidente João Goulart.
Esses setores, majoritariamente articulados
na União Democrática Nacional, a UDN, partido que aglutinava a direita, os
políticos e segmentos mais conservadores à época, atuavam com um olho no peixe e
outro no gato. Tentava conquistar o poder pela via eleitoral durante toda a
década de 1950, sem sucesso, mas sempre via nas crises a oportunidade de
finalmente de chegar ao poder.
Essas forças haviam sido corresponsáveis
pelo suicídio do Presidente Getúlio Vargas. Estiveram no movimento golpista
contra a posse do Presidente Juscelino Kubistchek, em 1956. Haviam sido
rechaçados seguidamente nas urnas, mas estavam sempre atentas à oportunidade do
atalho golpista para suprimir a democracia, subverter a ordem pública e
mergulhar o País numa ditadura, fato que terminou por ocorrer três anos
depois.
O País mergulha no caos, na incerteza e na insegurança. Assume
interinamente o Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Ranieri Mazzilli,
do PSD de São Paulo. Lideranças políticas nacionais como Tancredo Neves, Ulysses
Guimarães, Leonel Brizola, Almino Affonso, entre outros, procuravam uma saída
para a crise.
No Rio Grande do Sul, terra do Senador Paulo Paim,
estudantes do Colégio Júlio de Castilho marcham em direção à Prefeitura de Porto
Alegre para convocar o prefeito e defender a legalidade e a posse de Jango.
Frustrados com a recusa de Tristão Sucupira Viana, rumam para o Palácio
Piratini, sede do governo gaúcho, que tinha à frente Leonel Brizola. Brizola
empalma a ideia, e o Rio Grande do Sul se levanta junto com o Governador de
Goiás, Mauro Borges, e outras dezenas de cidades e lideranças pela posse de
Jango.
Nas ruas de Porto Alegre, Goiânia e outras capitais e cidades,
voluntários se inscrevem para defender a posse de Jango. Comitês populares,
inclusive armados, vão se formando. O clima é de indignação, revolta e
radicalidade.
O movimento estudantil, liderado pela UNE e pela Ubes,
convoca uma greve geral e conquista a adesão de boa parte das lideranças
sindicais. Passeatas, comícios, greves, prisões, pancadarias sucedem-se em
várias capitais. O País entra em tensão máxima. Os golpistas ameaçam intervir
nos Estados, o Governador Leonel Brizola convoca a Brigada Militar para defender
seu governo e a democracia. Os golpistas ameaçam bombardear o Palácio Piratini,
em Porto Alegre, e o Palácio das Esmeraldas, em Goiânia. Os Governadores Leonel
Brizola e Mauro Borges montam ninho de metralhadoras para defesa de seus
Estados, homens de prontidão andam pelas ruas, barricadas são erguidas, e a
tensão é crescente.
Leonel Brizola, Governador gaúcho, assume a Rádio
Guaíba e, em cadeia regional e nacional de emissoras, inicia a campanha da
legalidade. A UNE desloca sua sede para Porto Alegre e mobiliza os estudantes em
todo o País. O Brasil em efervescência política marcha aceleradamente para uma
guerra civil. Nos quartéis, de norte a sul do País, as Forças Armadas sob
comando golpista estão de prontidão para agir. De Brasília seguem constantemente
ordens e alertas anunciando a proximidade das ações.
No dia 30 de agosto,
os comandantes militares Sylvio Heck, Ministro da Marinha; Marechal Odylio
Denys, Ministro da Guerra; e o Brigadeiro do Ar Gabriel Grum Moss, Ministro da
Aeronáutica, encaminham ao Presidente Raniere Mazzilli um documento no qual
manifestam à Sua Excelência o Senhor Presidente da República a absoluta
inconveniência, na atual situação, do regresso ao País do Vice-Presidente, Sr.
João Goulart. Enquanto isso, Goulart retorna da China e se encontra em
Montevideu, Uruguai, depois de ter passado por Paris, Nova York e Buenos Aires.
No Uruguai, passa a comandar um conjunto de ações políticas para lhe garantir a
posse e superar a crise. No meio da tarde de 28 de agosto, os golpistas sofrem
um profundo revés. O General Machado Lopes, comandante do III Exército, com sede
no Rio Grande do Sul, adere à campanha da legalidade. O Governador de Goiás,
Mauro Borges, pensou naquele momento: "os militares vão tentar negociar uma
saída para a crise”.
No meio da crise, segmentos políticos importantes
buscam uma saída institucional para a crise. Sem o povo ao seu lado, com suas
forças divididas, inclusive militares, isolados política e socialmente, os
golpistas começam a pensar em alternativas. Era
difícil, quase impossível, não dar posse a João Goulart sem mergulhar o País num
banho de sangue, numa guerra civil de consequências institucionais, econômicas e
sociais imprevisíveis. A maioria dos partidos trabalha por uma saída
institucional, o golpe perde força e surge a proposta da emenda
parlamentarista.
Os golpistas não conseguiram apoio suficiente para alijar João Goulart do
poder. Mas Jango e sua base não reuniram forças suficientes para assumir
integralmente e com plenos poderes o governo. Em 2 de setembro de 1961, o
Congresso Nacional aprova, por 266 votos a 55, a Emenda Constitucional nº 4,
implantando o parlamentarismo, limitando os poderes de Jango, mas garantindo sua
investidura no cargo de Presidente da República.
O parlamentarismo surge
como a alternativa. Jango toma posse sem inúmeras prerrogativas próprias do
presidencialismo em cujo regime havia sido eleito para estancar a crise e
resolver os problemas políticos do País. Compõe um gabinete de composição
política, liderado pelo Deputado mineiro Tancredo Neves.
Espíritos mais calmos, as armas de volta aos coldres e aos depósitos,
militares de volta aos quartéis, o povo aos poucos de volta às suas casas e ao
trabalho, Jango acompanhado de Tancredo Neves, Brizola e outros voltam ao País,
que aos poucos também retorna à sua normalidade.
Quero registrar, Sr.
Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que o Governador Leonel Brizola relutou
bastante em aceitar o parlamentarismo; defendia atitude mais firme e resistência
mais contundente contra o golpe que limitava os poderes do Presidente João
Goulart.
Em 7 de setembro de 1961, o Presidente constitucional João
Goulart toma posse, e o Brasil supera parcialmente uma das mais graves crises
políticas de sua história. Os líderes políticos de então souberam colocar os
interesses do País em primeiro plano e sustentar por mais alguns anos a
democracia. O povo disse de forma clara e evidente não ao golpe, não à ditadura
e mostrou que seria capaz de lutar pela restauração democrática do
País.
Dois anos depois, o povo, em plebiscito, escolheria
democraticamente o sistema de governo a ser seguido pelo País, derrotaria o
parlamentarismo, reporia o presidencialismo, mas não salvaria o regime
democrático, que seria derrubado no ano seguinte.
A crise de agosto e setembro de 1961 nos legou a lição de que é necessária
tolerância, respeito às instituições democráticas, compreensão política e
compromisso sobre a alternância de poder. E que atalhos e medidas de ocasião
para restringir a democracia ou ferir a vida democrática do País não teriam mais
espaço em nossa Pátria.
A chave da democracia está na consciência política e no alargamento dos
mecanismos de participação popular, como nos alerta em recente artigo na
revista Comunicação & Política o cientista político, ex-ministro da
Ciência e Tecnologia, e primeiro Vice-Presidente Nacional do PSB, Roberto
Amaral.
O Brasil é um País plural e democrático, uno em seu povo, território,
língua, cultura e destino. Um País continental que exige consciência democrática
e ação para superar seus dilemas políticos, sociais e econômicos. Mas esses
ajustes e mudanças não podem ser feitos por atalhos golpistas, maiorias
circunstanciais ou medidas artificiais que firam a soberania popular.
O
ano de 1961 nos deixa o legado da tragédia democrática de 1964, mas também o
aprendizado de que é preciso maturidade política, flexibilidade e capacidade de
persuasão para superar os dilemas que a Pátria e a história vão-nos impondo. É
marco na História do Brasil. As lições daqueles dias tensos e angustiantes
ajudaram a fazer do Brasil um País mais maduro, mais democrático e mais capaz de
superar por meio da boa política os desafios institucionais que temos pela
frente.
Por último, Sr. Presidente, quero prestar uma homenagem aos que
ajudaram o País a superar aquele grave momento político. Render minhas
homenagens, especialmente ao ex-governador Miguel Arraes, a João Mangabeira,
fundador do PSB e Ministro da Justiça do período parlamentarista, ao
ex-primeiro-ministro e ex-presidente Trancredo Neves, ao ex-governador Mauro
Borges, aos ex-ministros e o Deputado Ulysses Guimarães. A San Tiago Dantas,
Leonel Brizola, ao ex-presidente da Une, Aldo Arantes, e a tantos outros
brasileiros e brasileiras que contribuíram para o País superar aqueles momentos
angustiantes.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O SR.
PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT – RS) – Cumprimento-o, Senador Rodrigo
Rollemberg. V. Exª, com seu pronunciamento, fortalece a data que está na
história da vida de nosso País: 25 de agosto. Eu tive a alegria de receber aqui,
como Vice-Presidente do Senado, inúmeras vezes, Leonel Brizola. Ele me contou
muito sobre esses episódios. Eu tenho um carinho muito grande pelas vidas e
pelas histórias de Leonel Brizola e de João Goulart. Meu pai – ele confessa –
era brizolista, assumido. E, naturalmente, ele me falava muito da caminhada do
próprio Getúlio e João Goulart.
Acho que neste fim de sessão, na noite
desta quinta-feira, a gente faz uma homenagem, mais do que justa, àqueles que
morreram – sempre na luta em defesa da democracia, da liberdade e de uma Pátria
justa. Parabéns a V. Exª.
O SR. RODRIGO
ROLLEMBERG (Bloco/PSB – DF) – Muito obrigado, Sr.
Presidente.